A árvore dos tamancos - vida vivida


A Árvore dos Tamancos / L’Albero degli Zoccoli; De: Ermanno Olmi, Itália-França, 1978.


O que mais chama a atenção neste longa de pouco mais de três horas de projeção é o Realismo. Não exatamente aquele neo-realismo que fez escola no cinema italiano, mas um jeito de tratamento que busca, o tempo todo, aproximar, tornar o espectador íntimo daquilo que vai sendo contado. O ritmo, mais lento que aquele que estamos acostumados a ver, também contribui para dar ainda mais verossimilhança, como se o tempo fosse determinado por elementos naturais como a lua, o sol, as estações do ano.

O filme reconstitui a vida numa fazenda da Itália, no começo do séc. XX, onde vivem cinco famílias pobres na condição de colonos.

A árvore dos tamancos é considerado a obra prima do diretor Ermanno Olmi, tendo sido premiado em Cannes 1978. Nele, o diretor optou por trabalhar com atores não profissionais. São pessoas simples, cuja sabedoria é forjada na dureza do arar a terra, abater os animais, colher, vender o produto do seu trabalho, tratar de doenças, do nascimento, da morte, enfim, que não parecem representar, mas simplesmente viver a árdua labuta do homem do campo. Essa seria uma característica do neo-realismo italiano, sendo seus maiores expoentes Roberto Rosselini, Vittorio De Sica e Luchino Visconti, todos fortemente influenciados pelos filmes da escola do realismo poético francês.

Observando a forma como viviam os personagens nas moradias coletivas, pode-se entender melhor certo tipo de habitação bastante comum em São Paulo, capital, no começo do séc. XX: os cortiços. Os chamados CORTIÇOS, também conhecidos por “casa de cômodos ou cabeça de porco” eram habitações coletivas que abrigavam diversas famílias. Nelas, os imigrantes recém chegados podiam sentir-se mais acolhidos, mais próximos de sua cultura original, hábitos, idioma, podendo se apoiar mutuamente. Essas habitações, tão duramente condenadas em cidades como por exemplo Rio de Janeiro, na verdade não foram inventadas aqui pelos imigrantes que chegavam. Conforme se vê no filme, elas teriam origem muito mais antiga. Por volta de 1870 surgem os primeiros núcleos de cortiços nos bairros centrais da elite paulistana como Sé, Santa Efigênia, Bela Vista, sendo tais formas de habitação ainda mais antigas na cidade do Rio de Janeiro. E o fato interessante é que ainda existam em nossa sociedade: São Paulo, por exemplo, abriga ainda hoje, em torno de 600 mil moradores de cortiços. Quando escreveu o romance O Cortiço, em 1890, Aluísio Azevedo não poderia imaginar que esse tipo de moradia atravessaria todo o século vinte, chegando aos nossos dias basicamente com as mesmas características de exploração e insalubridade.

Entre outros aspectos A árvore dos tamancos é interessante ao permitir traçar um paralelo entre duas histórias vividas. Pois se no começo do século as famílias viviam uma existência limitada de trabalho duro, hábitos rígidos e possibilidades remotíssimas de ascensão ou melhora, muitas delas justamente vinham para o Brasil em busca de um futuro melhor. O filme também nos permite, entre outros aspectos, trabalhar a quebra da visão estereotipada que carregamos, de que os imigrantes sempre estiveram “numa boa”. Ele deixa muito claro que eram pessoas humildes, acostumadas a servir, respeitar os desígnios e leis da natureza, com profundo sentimento religioso, e acima de tudo, acostumadas ao trabalho duro. Italianos, portugueses, espanhóis, japoneses: imigrantes que se dedicaram à construção de um país moderno e que trabalharam tanto quanto os escravos e seus descendentes.

Entretanto, o filme fala de outras terras, um país distante onde a terra era do senhor, sendo o fruto do trabalho dividido entre o lavrador (uma parte) e senhor da terra (duas partes). Também as sementes eram do senhor, bem como as ferramentas. Era esse o regime vigente desde tempos mui antigos, porém, algo começa a acontecer; os ventos da mudança trazem o eco dos discursos e ações reivindicatórias dos estudantes que, ao questionarem aquele estado de coisas, são vistos como arruaceiros, sendo presos. Naquele lugar as pessoas eram exploradas, não pela cor da pele, mas por serem proletárias.

Bom filme para a gente entender certas influências desse povo que tanto contribuiu para o crescimento e modernização do Brasil, tendo chegado em grandes levas migratórias a partir de 1870-1880. Seus valores, costumes e principalmente a língua, que até hoje tem grande influência na fala do paulistano e outros povos. Impossível dissociar a história dos imigrantes da história dos escravos e trabalhadores livres pobres que viviam no Brasil, já que a vinda dos imigrantes deu-se em função do fim do regime escravocrata e começo do trabalho assalariado.

Terno, lírico, real, comovente... De alguma forma o “Realismo” de L’albero degli Zoccoli é diverso daquele mostrado em filmes brasileiros atuais como Cidade de Deus e Tropa de Elite (l e 2); e não me refiro apenas ao fato de traduzirem épocas completamente diferentes.
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(elisilvéria)

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