A ORIGEM - Tinha tudo pra ser bom, mas...


A Origem- Diretor: Christopher Nolan
Elenco: Leonardo DiCaprio, Marion Cotillard, Ellen Page, Cillian Murphy, Joseph Gordon-Levitt, Ken Watanabe, Michael Caine, Tom Berenger
Produção: Christopher Nolan, Emma Thomas
Roteiro: Christopher Nolan - Ano: 2010

(por Pássaro Preto)

Quer dizer, não que não tenha coisas boas no filme. Eu assisti lembrando daquela cena do Amadeus em que Mozart explica ao perplexo rei por quanto tempo ele conseguiria introduzir novos personagens em uma cena de ópera. A Origem faz isso melhor que nenhum outro filme que eu me lembre.
Não se trata de "montagens paralelas" - isso tem de monte no cinema - mas de rupturas que, ao quebrar a sequência narrativa, imprime novas camadas de significação. Como se o diretor perguntasse pra nós: -quantas novas narrativas eu sou capaz de fazer você engolir sem que (e isso é importante) se rompa o fluxo de temporalidade radicalmente, em negativo. Ou seja: para que continuemos em Hollywood, e não passemos para Godard. Para que seja um filme do gênero assalto, sem tornar-se cinema experimental. E são muitas as camadas envolvidas de fato... A melhor, eu acho que é a relação estabelecida com o cinema, como são todos os efeitos e enredos espetaculares, que no fundo não passam de uma forma de introduzir uma ideia bem simples - encomendada por um megaempresário poderoso - em nosso subconsciente. Essa é boa porque não aparece tão mastigada quanto outras, mas diluída na própria ação do filme.

O problema do filme é justamente que, para sustentar sua arquitetura faraônica e mirabolante, o diretor tem que chamar a atenção para ela - A ESTRUTURA - incessantemente. Tem de repetir o filme inteiro que a mente que adentramos é na verdade do Di Caprio, que é ele tentando superar um trauma. Os demais personagens acabam se tornando rasos, meras engrenagens; dispositivos que fazem caminhar o talento egocêntrico de Nolan, que se sobrepõe à obra. A arquitetura do filme é sobrevalorizada, colocando em segundo plano o conteúdo. É só comparar a falta de carisma e profundidade dessas personagens (mesmo Di Caprio é menos profundo que o esquema em que se envolve) com o Cavaleiro das Trevas, onde a grandeza do enredo de ação contribui para aprofundar ainda mais a relação de complexidade entre as personagens. No caso da Origem, todos são coadjuvantes. Daí o paradoxo da estrutura ser complicadíssima, ao mesmo tempo em que se esforça por tornar óbvias as camadas de profundidade e relações feitas, sem deixar espaço para um questionamento do espectador. O filme é um quebra cabeça estrutural (muito bem feito e que tem sentido, ao contrário do que andam falando), que, ao ser resolvido, deixa tudo como está. De novo, bem diferente do Coringa, um ponto de vista que não pode ser levado até o fim pela Indústria.

O problema estrutural básico do filme é que à complexidade radical da forma não corresponde uma complexidade de conteúdo, ou ainda, a complexidade formal só se sustenta por uma atomização do conteúdo. A forma que Nolan escolhe para manter o espectador por dentro do que está acontecendo sem se perder, é deixando por demais evidente o que está acontecendo. O óbvio ululante, um quebra cabeças de mil peças, que ao final, é uma imagem do Cebolinha com a Mônica, exagerando um pouco. Ele se prepara para questionar a estrutura do cinema, mas produz um espetáculo grandioso em que o sujeito (no caso, Nolan), em sua forma espetacular é celebrado - de novo, não é por ser um filme hollywoodiano. O Cavaleiro das Trevas também é, e consegue ser bem mais questionador, sem deixar de ser o mais empolgante filme de ação do ano. A Origem não consegue se decidir. Não que não existam surpresas; o filme é feito de surpresas, mas essas são preparadas por um caminho bem posto, tranquilo até certo ponto. Algo do tipo: oh, aqui parece ser só ação, mas também tem a questão psicanalítica, viu? Olha aqui a mulher reprimida. O filme peca por didatismo em vários momentos. Por personagens que tem função didática, por um enredo que também mantém, apesar de tudo, certo didatismo: o chato do Di Caprio tentando superar seu próprio trauma do jeito mais mirabolante possível.
09.set.10

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